quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sobre museus e marmitas

Os objetos expostos num Museu carregam sentidos sociais profundos: observar tais peças pode revelar valores e mentalidades. Essa constatação se corporificou quando, alguns dias atrás, um visitante fez um comentário jocoso sobre uma marmita exposta na Sala de Refeições do MCHA. Espantado ao ver tal objeto no meio de louças finas, ele deixou claro que o considerava mais adequado às cozinhas populares que aos solares e sobrados senhoriais.
Pensando em suas palavras, percebemos que, dentro de uma determinada leitura, a marmita está associada à pobreza. Isso talvez se deva à ligação do objeto com o universo do trabalho. Num país onde a herança escravista ainda marca as mentalidades, trabalho e pobreza aparecem como naturalmente relacionados, o que por si só já serve para excluir as marmitas das cozinhas senhoriais. Mais que isso, as marmitas estão associadas a um tipo específico de trabalho, daqueles que ou sejam tão mal remunerados que não permitam outra solução alimentar (como o recurso a um restaurante, por exemplo), ou que também não permitam ao trabalhador dispor de seu tempo com autonomia, ou seja, que impeçam que ele se conceda um horário de refeição longe do local de trabalho. Frequentemente as duas situações andam juntas. O termo bóia-fria talvez seja a conjunção semântica mais completa dessas ideias todas. Dessa forma, neste tipo particular de mentalidade, trabalho, pobreza e marmitas aparecem como elementos componentes de um mesmo universo.
É evidente que a marmita deve ter tido outros empregos e significados, e que em outras épocas e em lugares diferentes ela tenha simbolizado outros valores sociais. No plano regional, por exemplo, a marmita serve para poupar as pessoas da penosa caminhada do trabalho à residência debaixo do escaldante sol maranhense, que a pino é quase insuportável. Isso mostra que o significado de cada objeto vai variar de acordo com a procedência, com a idade e as demais características do visitante.
Elucidar os significados históricos dos objetos que compõe os acervos dos Museus, ou seja, decifrar a trajetória da criação, do uso e dos papéis simbólicos que eles assumem dentro das sociedades é tarefa da pesquisa histórica. Essa atividade promove o reconhecimento dos valores e mentalidades ao longo do tempo, e seus frutos podem servir como poderosas ferramentas educativas: se o Museu conseguir levar o visitante a refletir sobre suas formas de olhar o mundo, terá cumprido plenamente o seu papel.



Foto: Sylvana Lobo

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Documentação e acervo

Um documento do final do século XVIII forneceu mais informações sobre uma das peças de nosso acervo. Trata-se de um registro da eleição dos oficiais que serviriam a Câmara da Vila de Alcântara, ocorrida em 1786, onde se fez referência a um cofre com três fechaduras que guardava os pelouros com os nomes dos potenciais servidores. As chaves estavam em poder de pessoas diferentes, o que garantia que só com anuência unânime se poderia acessar seu conteúdo. Ainda que não haja condições de confirmar ser o cofre citado no documento o mesmo em poder do MCHA, o texto permite compreender as funções deste tipo de peça de mobiliário, apontando seu caráter extradomiciliar, mais adequado às necessidades do poder público e de instituições comerciais.